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Confira a segunda e última parte da entrevista com o Goggle Red |
Preparados para conferir a segunda parte da entrevista com o Mr.
Goggle Red? (risos, pois ele considerou muito “pomposo” o tratamento, mas é o
reflexo do meu respeito a ele) Aconselho a vocês lerem essa segunda parte na
íntegra, pois ele menciona o porquê está um tanto “enjoado” de tokusatsu no
momento, revela-nos se acredita que há necessidade das séries passarem por uma “revolução”, compartilha conosco sobre a possibilidade ou não do retorno do tokusatsu para
a TV aberta aqui no Brasil, além de muitos outros assuntos colocados em pautas. Boa leitura!
Taty – Como você
relaciona as séries de tokusatsu e o universo artístico?
Goggle Red – Por ser algo que busca
por um ideal de produção e tenta corresponder às expectativas de um público em
potencial, o tokusatsu pode sim, ser
relacionado entre os expoentes
artísticos que conhecemos hoje. Mas existem dois tipos de arte: a arte de
apelo popular (que prioriza seu foco no público) e a arte "pura", que é a arte feita em nome da arte. Na arte
"pura", o artista trabalha menos para o público e mais para ampliar
seus próprios horizontes artísticos. É daí que vem aquela famosa queixa do
"artista incompreendido", porque a
arte "pura" requer dedicação e, muitas vezes, até certo preparo
anterior do público para ser bem assimilada. Há pouco eu defendi numa matéria
que Kamen Rider Decade usa arte
"pura" quando aposta em passagens abstratas, sem uma explicação
lógica e definitiva, isso porque tais explicações devem vir à tona através do
raciocínio de cada espectador. Ou seja, o assunto em questão, ao invés de
encerrado e ponto, passa a ser flexível, cada cabeça, uma sentença, mas requer
do espectador que ele pense,
e assim, participe. Kamen Rider Hibiki
– que eu adoro – também usou muita arte "pura" em sua concepção. Eu
reconheci aquilo de imediato, e achei demais, uma ousadia bem interessante
mesmo. Mas outra grande parcela do público, ao invés de assistir aquilo, queria
apenas assistir a uma série Kamen Rider. E o que a Toei fez? Trocou o produtor,
porque perceberam que era ele quem estava exercitando seus conceitos de arte às
custas da série. Foram direto à raiz do problema [sorte que deu pouco resultado!
(risos)].
Tema de abertura de Gaoranger
Taty - Ainda nesse tema, como você vê a área musical dos tokus?
Goggle Red - Sobre a música dos tokus,
eu poderia falar muito. O fato de eu ter estudado música, me formado em piano,
me aperfeiçoado, etc, contribui para que eu tenha muitas ideias em relação a
isso. Minha formação é Clássica, mas, na teoria geral, música é quase tudo a
mesma coisa. Um Prelúdio de Bach e uma tokusong qualquer seguem a mesma
receita: uma tonalidade básica, de onde a música começa a caminhar, depois uma
dissonância, que gera a tensão necessária para se desenvolver a música, e por fim
uma consonância, que resolve aquela tensão, antes de se começar tudo de novo.
Ambos os estilos de música existem seguindo esse mesmo ciclo, até quando
encontram um "escape", conseguindo abraçar de volta a tonalidade do
início, e assim, ter um meio seguro de concluir seu material, de se encerrar.
Para poder fazer tudo isso, tanto o Clássico quanto a tokusong usam os mesmos
temperos: harmonia, melodia e ritmo. Mas isso é apenas teoria. Acho que, para
curtir e classificar uma tokusong como boa ou ruim, o tokufã não precisa ter em
mente esse monte de coisa. Curtir, achar envolvente (ou não) será sempre mais
importante. Talvez, a única vantagem de eu ter estudado teoria da música, nessa
hora, é que isso me permite ouvir inclusive tokusongs de duas maneiras diferentes:
para curtir ou para observar o trabalho composicional que foi feito ali. Como
fã, eu estou sujeito a gostar de qualquer tokusong que apareça por aí. Já como
observador, mesmo uma tokusong que eu curta bastante pode não atender as
expectativas que eu tenho pelo lado teórico. Basicamente, a exigência desse meu
lado careta é uma só: a tokusong em questão precisa refletir a época em que sua série foi
feita. Se eu escuto o tema de abertura de Ninninger, eu quero me sentir em
2015, e não em 2002, que é quando aquele tipo de estrutura composicional
começou a ser usada nas tokusongs dos Super Sentais. A aparência é de um hard-pop-rock, mas não tão hard, pois
logo se vê que aquilo zela mais por animação do que por agressividade. As vozes
são doces, não adianta variar de cantor, já que qualquer um deles teria espaço
no Psychic Lover. Longe, portanto,
do pulso firme que a gente ouvia na voz de um Miyauchi, e que por si só já foi uma das referências para a época
em que se decidiu abolir o tom de heroísmo das tokusongs, substituído por um
apelo mais emotivo, que marcaria a segunda metade dos anos 80. Já hoje em dia,
eu sinto que poucas tokusongs estão plenamente sintonizadas com o nosso tempo.
Nos temas de Tokkyuger e Kamen Rider Drive, por exemplo, eu sinto que a riqueza
de composição até aparece em certos trechos, mas eles são muito, muito breves.
Não duram quase nada, e suas continuações fazem a música voltar ao nível ruim
de antes. Acho que, para ser totalmente boa, qualquer tokusong de hoje precisa
ter agressividade no seu andamento e flertar com gêneros novos, Black Music, Street Dance, Tecno, Rap, até porque o mundo de hoje é muito
eclético. Além disso, acho que a tokusong do nosso tempo precisa causar impacto
e até um certo constrangimento. O impacto seria para distanciá-la o máximo
possível de suas antecessoras. E o constrangimento poderia ser medido da forma
mais engraçada. Imagine eu, de frente para você, tentando cantar o trecho mais
significativo da abertura de Gaoranger ("Gao, gao... gao, gao")!
(risos) Eu me sentiria constrangido, você não? É curioso como eu ainda enxergo
o futuro naquela passagem de século. A música de Timeranger, Gaoranger, entre
outras, seriam ideais para os tokus de hoje. O problema é que elas causaram uma
revolução muito substancial naquela época e que, lamentavelmente, não teve
continuidade nos anos seguintes. Toda aquela revolução musical nas tokusongs
foi impiedosamente apagada, e isso antes que pudesse marcar uma época. Alguns
poderão dizer "ah, mas isso já foi há 15 anos". Não acho que seja
nostalgia minha, não. Pois aquele movimento musical nem sequer teve tempo de se
identificar com uma época. Até por isso, fico triste quando vejo falarem mal da
música de Timeranger sem um certo conhecimento de causa. Apesar de ter sido feita
há 15 anos, a teoria ainda comprova que não existe nada mais "future" em relação de tokusongs como a música
de Timeranger. Gosto muito da Go2 Mickey-T – num outro exemplo – sua "Yuki
wo Nakuseba" (usada em GoGo V) é perfeita demais, demais! E pensar que hoje
eu tenho que me satisfazer com trechinhos! (mais risos) Mas, mesmo assim, acho
que, de recente, tiveram muito êxito a introdução de Kamen Rider OOO ("You
count the medals one, two and three..."), os vocais de apoio no tema de
Gaim ("Don't say no! Just live more!") e todo o primeiro bloco da
abertura de Ultraman Ginga.
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Henshin World um dos Blogs mais analíticos sobre o universo tokusatsu |
Taty
– Como você incorpora o Goggle Red ao seu dia a dia? Seria Goggle Red também
sua identidade secreta, como os verdadeiros heróis também desfrutam de uma?
Goggle Red – De forma nenhuma. O fato
de eu usar exclusivamente esse nick pela Tokunet é, como eu disse, por uma
questão de praticidade, jamais como tentativa de me ocultar de alguém. Muito
pelo contrário. A ideia de me apresentar pessoalmente para outros tokufãs até
me estimula. Passa, infelizmente, pela questão da disponibilidade, minha e dos
outros, mas, uma vez vencida essa barreira, eu não vejo nenhum outro motivo que
me levaria a assumir uma posição defensiva, tampouco enigmática. Sei de tokufãs
que exigem muito mais privacidade para si do que eu. Vejo a privacidade que eu
exijo para mim como normal, como típica, básica. Gosto, sim, de conversar com o
colega antes de me abrir mais, conhecê-lo o suficiente, para que depois eu
possa reconhecê-lo como alguém mais chegado. Para esses, mostro minha foto,
digo meu nome, etc. Já fiz tudo isso com você, que eu conheço e admiro. Mas não
são todos que estão dispostos a ter esse tipo de contato. No Facebook, por
exemplo, muitos só querem me marcar nas malditas
fotinhas vistas, revistas e manjadas do personagem Goggle Red, e nada mais. Eles mesmo sugerem que se negam a
reconhecer que existe uma pessoa real, um ser humano como qualquer outro por
trás daquele nick. Nesses casos, qualquer tentativa de providência da minha
parte está, virtualmente, fora do meu alcance. Acho que o simples fato de um
tokufã escolher para si um nick relacionado ao assunto deveria ser encarado com
muito mais naturalidade e compreensão pelo meio. Mas é frustrante ver como os
próprios tokufãs ajudam a mistificar e obscurecer a personalidade de quem opta
por coisa assim. Outro dia mesmo eu li uma matéria do colega Kleber Nazca, num site que eu colaboro
(o Rampage Subs), em que ele disse,
até de uma forma meio generalizada, que os tokufãs que se identificam através
de nicks fazem isso porque têm vergonha, e querem esconder de parentes e de
amigos mais próximos que curtem toku. Pelo menos para mim, isso não corresponde
de maneira nenhuma. Claro que eu não saio por aí só falando de tokus – até
porque poucos ao meu redor sabem do que se trata – mas ter vergonha de meu
gosto por eles? É algo fora de questão.
Respondendo à outra pergunta, na verdade eu incorporo mais a série
Goggle V do que o personagem Goggle Red no meu dia a dia. Faço o que é possível
para reviver as boas recordações que tive com ela e busco constantemente por
meios de reconhecer a intensidade de espírito que ela me ofereceu na época em
que a conheci. Já o personagem em si não me diz muito. Não tenho nenhuma
atuação individual dele na minha memória afetiva de tokus, nada disso. Se fosse
só por questão de personagem, eu até faria um novo nick para mim, como um "Jin Keisuke", se fosse neste
momento. Aí sim, teria tudo a ver com a minha pessoa, mas dificultaria muito o
reconhecimento que meus amigos do meio tokufã já fazem de mim.
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Blog Tatisatsu |
Taty – Agora, um pouco de história. Como o Goggle Red conheceu o
Blog Tatisatsu? E como viu essa prática de mais uma garota falar sobre
Tokusatsu (já que a Lilian-san é a pioneira nesse ramo)?
Goggle Red – Essa é uma história que me surpreende até hoje, a cada vez que eu
me lembro dela. Por incrível que pareça, meu primeiro acesso ao Tatisatsu ocorreu justamente num dos
dias mais memoráveis para mim enquanto fã de tokusatsu: 2 de maio de 2012. Sabe aquela “sensação
indescritível” que eu disse que sentia na época da TV? Pois eu senti ela
pela última vez naquele dia. E – mais incrível ainda – através de PATRINE, que até então eu nunca havia
visto. Apesar de ser tosquinha,
apesar de não ter ambição nenhuma, Patrine foi, até hoje, a única série que conseguiu
me trazer de volta aquele “estalo” de
criança. Algo muito, muito perto do que eu sentia quando zapeava a TV e
encontrava um toku que fosse novidade
para mim. E isso que aconteceu naquele dia, para o meu emocional, foi muito
intenso, pois mesmo que eu quisesse não conseguiria, jamais, recriar a pureza
de todo aquele cenário que me envolvia há cerca de 20 anos atrás. E aquele
episódio inicial de Patrine conseguiu recriar, ao menos, a essência daquele
cenário, me elevando a um certo estado de estimulação que, logo depois, me
guiaria até o Tatisatsu. Naquele dia, o meu êxtase por Patrine era tanto que eu queria escrever algo – um mínimo que
fosse – para o Henshin World. Hoje,
quando eu observo a simplicidade daquele post, eu penso: “É. Aqueles tempos me permitiam
fazer isso”! (risos) Porque foi coisa muito simples mesmo, que hoje iria, no
máximo, para uma nota na Fan Page que
o site tem no Facebook. Pelo menos,
eu já buscava por referências para escrever. E foi uma das sugestões daquela
busca (não lembro bem se de texto ou de imagem) que me levou até o seu
blog.
O fato de a autora ser uma menina, para mim, só ressoou
positivamente. Eu vi aquilo com muita naturalidade – já há algum tempo eu vinha
mantendo contato com uma garota chinesa nos fóruns de toku que eu participava –
mas vi também com muita esperança. Esperança de que aquela "visão feminina"
prometida pelo blog fosse uma porta aberta para uma maior valorização do toku
enquanto sentimento, algo
que também é uma filosofia cara ao Henshin
World. E, apesar da Lady exigir
para si, constantemente, o título de pioneira entre as nossas divulgadoras
femininas de toku – como você mencionou – pelo menos para mim, na minha visão
daquele momento, a Primeirona foi
você. Fui conhecer a Lady só um ano e meio após isso. Acho também que o fato de
você ser mulher me fez observar muito a minha condição, de homem, na maneira
como eu deveria abordar-te, para um eventual contato, para propor parceria.
Desde o início, desde o primeiro e-mail que te enviei, e que guardo a resposta
até hoje, com muito carinho, lembro que sempre busquei por uma abordagem mais
respeitosa para com você, medindo mais as minhas palavras, pensando mais na
consequência delas quando chegassem até você, etc. Enfim, essas coisas básicas,
que também valem para qualquer outro relacionamento de amizade entre homem e
mulher no nosso cotidiano. No começo, claro que me deu aquele friozinho na
barriga! (risos) Mas sua posterior receptividade fez com que tudo desse certo.
E hoje, o resultado é esse que vemos aí: quase três anos de uma amizade sólida,
cheia de compreensão mútua, e com todo esse reconhecimento visível que mantemos
um pelo outro, graças a Deus.
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Tokusatsu é um gosto... |
Taty – Por que você anda tão “enjoadão” de tokusatsu? O que te
fez desmotivar tanto? Comente a respeito.
Goggle Red – Essa é uma grande verdade.
Eu já gostei de tokusatsu muito mais do que hoje. Para mim, tokusatsu é um
gosto e, como tal, precisa ter hora e espaço certo para ser cultivado. Num
plano maior, acho até que esse tipo de consciência valoriza ainda mais o toku.
Meus amigos mais próximos do meio toku já estão bem cientes desse meu enjoo,
sabem que hoje em dia eu tenho outros gostos muito maiores. Agora, no geral,
acho que esse meu enjoo está sendo pouco ou nada sentido na comunidade toku, pois, longe de se caracterizar
como desmotivação minha, eu ainda toco a minha mídia (Henshin World) normalmente, continuo participando de outras mídias,
seja com comentários ou atuando através de atividades que somem para as
desenvolverem, entre outras situações. Mais além, eu nunca me nego a conversar
sobre toku com ninguém, quando essa conversa é num nível pessoal. Sempre atendo
a todos que me procuram para algum diálogo particular relacionado à tokusatsu, sejam essas pessoas
conhecidas ou não, amigos de longa data ou recém-chegados. O único, porém é que
eu limitei certos espaços meus, muitas vezes, até relacionados à minha
privacidade, por achar que eles não são adequados para se falar sobre toku. Para um alheio, resta aquela
questão do respeito e do reconhecimento. Principalmente porque eu faço um
esforço integral visando manter a minha mídia sempre aberta para todos os
tokufãs que quiserem vir a interagir através dela. É um esforço tão grande
quanto o que eu também faço para acolher as mais diferentes opiniões desses
mesmos tokufãs da melhor maneira possível, valorizando cada uma dessas
opiniões, explicitando como as mesmas são importantes para o andamento da minha
mídia e, através disso, até estimulando cada um a opinar ainda mais. De modo
geral, acho que o problema de meu desgosto pessoal aos tokus passa pela falta
de reconhecimento ao meu trabalho, sugerida por alguns colegas, se por
indiferença ou por desinformação, não se sabe. Acontece que esse problema quase
sempre gera outro muito maior, em que a pessoa Goggle
Red passa a ser confundida com o tokufã de mesmo Nick, na minha visão, uma
tremenda e injusta falta de sensibilidade da parte de alguns, que com isso
demonstram empolgar-se com uma mera aparência. Para encarar coisa assim, eu
preciso de certo tipo de paciência regenerativa, já que tal coisa abre espaço
até para o que parecem ser provocações voluntárias, às vezes. Minha resposta
mais relevante a tudo isso ainda se manifesta assim, na forma de certo desgosto
em relação aos tokus.
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Kamen Rider OOO e Ankh |
Taty – Você acredita que as séries, de uma forma geral, deveriam
passar por uma “revolução”? O que você pensa sobre as renovações e as
referências nas séries de hoje em dia?
Goggle Red – Eu não diria uma revolução,
mas sim uma evolução, contínua e consciente. No meu entendimento, nós já
tivemos sim, uma grande revolução no tokusatsu, que surpreendentemente ocorreu
justo na passagem do século. O abandono definitivo da película nas edições
finais ocorreu lá, revolucionou o visual dos tokus, a música deles acompanhou
aquela revolução, etc. Mas hoje, nós já estamos vivendo outro tempo. Hoje,
salvo por algumas tentativas isoladas de se radicalizar, como essa em que a
Toei demonstra estar puramente deslumbrada com certas conquistas, não me resta
dúvida que estamos num período de maior estabilidade. Sobre as referências,
acho algo bem válido, até porque o tokusatsu, por ser reconhecido como a
expressão cultural que é, possui certa identidade que precisa ser zelada. E
qualquer referência que venha a ser de valor para os tokus do futuro deve
passar, obrigatoriamente, por esse processo de zelo a algumas características
que são próprias e até exclusivas dos tokus. Por exemplo, eu defendo a ideia de
que existem certas tradições no tokusatsu que precisam ser sempre mantidas. Na
maioria dos casos, essas tradições estão associadas ao que eu chamo de “momentos sagrados”, que são aqueles
instantes que requerem certa ênfase, como transformações, golpes finalizadores,
etc. Mas a defesa da tradição aqui não deve ser encarada só como um apelo ao
conservadorismo, e sim como uma garantia de legitimidade. Acho que o principal
papel da tradição, quando ela é preservada, é garantir essa identidade básica
que eu citei agora, algo que vale para cada gênero em particular, fazendo-o
mais facilmente identificável para as sucessivas gerações de fãs. Mesmo assim,
é importante tentarmos compreender que toda tradição, por mais importante que
seja para seu contexto, está sujeita a desaparecer se não se adaptar a uma nova época. Eu,
por exemplo, adoro apresentações individuais, pois vejo nelas a autoafirmação
de um guerreiro. Quando se apresenta para o inimigo, um guerreiro já começa a
vencer, pois supera o seu medo natural enquanto confirma ao adversário que está
pronto para lutar. No passado, essas apresentações tinham um espaço que hoje não
têm mais, muito porque elas estavam protegidas por um esquema cíclico, quase
todo santo episódio repetindo os mesmos trechos. Com o ritmo que existe nos
tokus de hoje, coisa assim, com a mesma frequência, já é inviável. E se a gente
tomar por modelo o que o Kamen Rider Mach
está fazendo, o que antes era bonito e emocionante hoje corre o risco de ficar
fadado ao cômico e ao ridículo, justamente por causa dessa dificuldade de
adaptação.
Sobre a evolução que eu citei no início, acho que é uma lei
natural que se aplica a todas as áreas da vida e, até por isso, dá ao tokusatsu
a obrigação de estar sempre buscando inovar. Em qualquer época, sempre foi e
sempre será um desafio muito grande tentar prever o que veremos no futuro do
toku. Do ponto de vista tecnológico (e até por exemplos históricos), certas
tecnologias do cinema americano podem servir, às vezes, como parâmetro. Há
algumas semanas eu li sobre uma conquista recente deles que, se for
aperfeiçoada ao longo de um tempo satisfatório, poderia até dar uma mobilidade
facial inédita aos monstros, por exemplo. São sensores que se espalham pelos
tecidos dos atores/dublês, tal como eletrodos, captam a mais ínfima
movimentação muscular e a transmite para a imagem do computador, que edita tudo
num instante. Para um monstro movimentar a boca enquanto fala, hoje, seria
necessária uma pixelização muito
extensa até que se cobrisse a ação do bicho ao longo de todo um episódio. Algo
ainda complicado demais e, portanto, dispensável. Já do ponto de vista da
composição, eu, pessoalmente, adoraria que o tokusatsu evoluísse de uma vez por
todas junto à área dos vilões. Acho triste ver como o toku ainda se prende
tanto aos vilões de características padronizadas, na esperança de que brote
algum carisma de suas figuras previsíveis. Dentro disso, tomemos o gênero Kamen
Rider, que já provou por mais de uma vez como dá para fazer uma guerra decente,
cheia de perigos, dúvidas e aflições mesmo sem nenhum figurão de destaque do
outro lado, vide Blade, Ryuki, Hibiki, Gaim... Mas, vira e mexe, o mesmo gênero
retrocede. Em Wizard, eu não suportava a presença do Gremlin e da Medusa. E
agora, vem o Drive com Heart, Brain, Medic, que já é muito. Ah, sim, e o Chaser, que um tokufã manchetista até
poderia chamar de "Shadow Moon de
pobre", num lance de descontração meio fajuto! (risos) Mas, na minha
visão, Kamen Rider OOO foi mesmo o único
toku desta década, até aqui, com
vilões que valeram a pena, mesmo sendo padronizados. Acredito que muito
disso se deva à presença do Ankh do
lado em que ele não deveria estar e, mais ainda, à
essência das Core Medals. "Aquilo
que me completa também dá força para o meu inimigo", vale muito
reparar nessa mensagem.
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Geração Manchete - a Força da Cultura Japonesa |
Taty – Como tokufã, o que você diria para os colegas que sonham
e desejam a volta das séries para a TV aberta aqui no Brasil?
Goggle Red – Eu tenho uma opinião
sobre isso que irá decepcionar muita gente. Mas essa mesma opinião também é uma
das minhas ideias mais definidas, na qual eu deposito muita convicção, e que,
portanto vale ser citada por aqui com o máximo de transparência e sinceridade.
A verdade é que, pessoalmente, eu sou muito contra a volta dos tokusatsus para
a TV brasileira. E não te digo isso como um mero capricho de alguém que está em
busca de polêmica, ou que deseja posar de excêntrico, não. Te digo isso após me
basear em toda uma conjuntura, que me fez chegar na plena conclusão de que
continuar longe da nossa TV segue sendo a melhor alternativa para o bem do
toku. Alguns talvez considerem esse recente revival da TV Brasil (que
desenterrou Jaspion, Changeman e outras pérolas da Manchete) como um retorno do
toku à TV. Pelo menos para mim, aquilo não é suficiente para configurar isso.
Salvo alguns sentimentos emotivos ou nostálgicos, eu não vejo nenhum outro
valor em se exibir, nos dias de hoje, um punhado de produções feitas há 30
anos. Aquela tecnologia, aqueles costumes sofreram mudanças tão radicais ao
longo desse tempo que jamais poderiam sequer dar uma amostra aos
telespectadores da TV Brasil o que é, de fato, o tokusatsu produzido nos dias
de hoje. E isso é muito prejudicial para o toku no país, pois fomenta a
hipótese de que não existe nada mais moderno do que aquilo. Se alguma emissora
quisesse investir maciçamente em tokusatsu, configurando um retorno definitivo
do hábito cultural que eles já foram em outra época, deveriam trazer para cá séries
produzidas há poucos anos, um Shinkenger, um Goseiger, um Kamen Rider OOO, entre outros.
A Manchete, que trazia os tokus para cá três ou quatro anos após eles terem
sido exibidos no Japão, poderia ser uma referência muito segura nessa hora. Mas nenhuma emissora de hoje tem estrutura
suficiente para isso. Certos interesses comerciais, que sempre vêm acima de
tudo, não permitiriam que se tivesse a calma necessária para garantir uma
continuidade decente, rodar uma abertura, um encerramento a cada exibição.
Regularidades essas que foram a marca da Manchete, e que ajudaram a formar
tokufãs apaixonados, que hoje se recordam de endings com emoção porque as viram por inúmeras vezes na TV. Hoje,
ninguém, nem o exibidor nem o patrocinador por trás dele teriam paciência para
isso. E acho ainda que, mesmo para o produtor japonês, saber que o seu toku irá
ser exportado para um país como o Brasil também poderia ser prejudicial. Pois
sabendo disso, ele certamente iria evitar colocar em seu seriado certos itens
próprios da cultura japonesa que são incompreensíveis (e às vezes, até
inaceitáveis) para os ocidentais. Ou seja, o toku que fica com sua
comercialização quase toda restrita ao Japão goza de plena liberdade para se
desenvolver com a cara de seu povo, de sua cultura.
Para quem pensa diferente de mim e sonha com tokusatsus na nossa
TV, eu diria: "Ok, respeito a sua opinião, mas acho que você está
reclamando de barriga cheia". Eu acredito que, se formos analisar o lado
meramente psicológico desse tokufã, que anseia pelo retorno dos tokus à TV,
muitos de nós chegaria à conclusão de que ele nem está tão preocupado assim com
o toku em si. Muito mais provável é que esse
tokufã quer apenas recriar o cenário que ele vivenciou de criança, ele na
sala de casa, de frente para a TV, vibrando, etc. Só que aquele belo cenário
também traria consequências. Enquanto que hoje, a Internet nos aproxima dos
tokus como nem a Manchete conseguiria fazer. Nós, tokufãs, somos uma comunidade
pequena, quase todo mundo se conhece, já trocou uma ideia alguma vez. E mesmo
assim, somos autossuficientes na divulgação e na disseminação do toku pelo
país. Temos colegas que tocam inúmeros fansubs, a maioria deles dedicados em
seu propósito de legendar a maior variedade possível de séries. Outros, como eu
e você, garantem um debate sobre elas, oferecem ao público interessado em
tokusatsu as mais diversas visões aprofundadas sobre o tema. Eu acho que a
melhor forma de se aproveitar tudo isso é fazer parte, deixar as nostalgias um
pouquinho de lado, vivenciar a realidade do presente do toku (que é
maravilhosa) e, assim, pavimentar da melhor forma um futuro seguro e promissor
para o tokufã no Brasil.
Taty – Muito obrigada mais uma vez pela disponibilidade e, por
favor, compartilhe conosco as suas derradeiras considerações.
Goggle Red – Vou encerrar agradecendo
você, Taty-hime, dizendo que fiquei muito feliz, muito gratificado com este
nosso primeiro trabalho juntos. Já estou torcendo para que isso possa se
repetir um dia, quem sabe, com a gente trocando de lado, né? (muitos risos)
Quero deixar registrado aqui que estas suas perguntas estimularam demais meu raciocínio de tokufã, que me
parecia até meio adormecido, em parte. Ainda estou agradecendo, ao meu anjo da
guarda, pelo meu colega Eleuzi Fernandes
(do Rampage Subs) não ter me enviado
nenhuma outra tradução de Sukeban Deka
II para eu finalizar ao longo desta semana; porque meu trabalho nesta
entrevista certamente o deixaria na mão! (risos) E dizer o quanto espero que
isto tudo contribua para o sucesso e para o reconhecimento do Tatisatsu
enquanto mídia de toku. Que você, Taty-hime, e seu blog continuem ultrapassando
os limites da divulgação do tokusatsu, e façam valer, cada vez mais, o valor da
amizade, que é, ao fim das contas, a única coisa que de fato nos interessa
aqui.
***
Com certeza valeu muito a pena dividir essa entrevista em duas
partes, não é mesmo? Pois assim, pudemos perceber com mais evidência o ponto de
vista do nosso amigo Goggle Red! Claro que nem todos vão se identificar com
alguma opinião compartilhada, outros o aplaudirão; porém, o fato é que o tokusatsu
extrai de nós a essência de ser fã, uns mais apaixonados, outros apaixonados e
críticos, e outros completamente críticos e bastantes exigentes. O importante sempre é manter o respeito!
Mas, agora chegou a sua vez, compartilhe conosco o seu ponto de
vista, diga-nos o que está achando das entrevistas até o momento... deixe-nos
um comentário aqui ou envie-nos um e-mail para tatisatsu@gmail.com
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(se ainda não o conhece).
Bravo!
ResponderExcluirUma das coisas mais interessantes ao se ler um texto do Red-san, é que mesmo quando não concordamos com ele, a forma objetiva como a opinião é apresentada, nos faz pelo menos refletir bastante.
Mas desta vez, sou obrigado a admitir que concordo com quase tudo que ele respondeu aqui. Principalmente a parte sobre a volta dos tokusatsua pra a TV aberta.
Mais uma vez, parabéns por essa maravilhosa cooperação, Taty e Googe Red.
Essa entrevista é a prova que o Goggle é um cara diferenciado, tanto no trabalho na tokunet como na linha de pensamento. O cara é foda.
ResponderExcluirNossa sem palavras, já tinha entrevistado o Goggle Red no Tokuforce antes, mas essa nova feita pela Taty, apenas complementou o que eu já pensava do meu grande amigoRed.
ResponderExcluirUm homem humilde que que mostra em suas palavras o grande homem que ele é.
Eu já era fã agora mais ainda.
Parabéns pela entrevista Goggle Red e Tati Hime